segunda-feira, 24 de outubro de 2011

24/out - Belém e Ananindeua entre as 10 piores no ranking de menos saneamento


Belém e Ananindeua, no Pará, estão entre as 10 piores cidades brasileiras em coleta e tratamento de esgoto. Elas não são as únicas da região Norte. As capitais Macapá (AP) e Porto Velho (RO) também estão nesse grupo, junto com mais quatro cidades fluminenses, uma do Rio Grande do Sul e uma de Pernambuco. O mais alarmante é que Belém e Ananindeua se mantiveram no grupo das 10 piores entre as movimentações dos anos de 2007 e 2008. A conclusão é do Instituto Trata Brasil, que fez análise de 81 cidades brasileiras, acima de 300 mil habitantes, com base nos indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) de 2009, divulgado pelo Ministério das Cidades.

Os números balizam uma realidade enfrentada diariamente por uma parte da população dessas duas cidades da Região Metropolitana de Belém (RMB). No item atendimento em água, a pesquisa demonstra que Belém e Ananindeua estão entre as 15 cidades que apresentaram atendimento inferior a 80% da população. Nessa categoria, aparecem também as capitais do Acre e de Rondônia.

O Trata Brasil divulgou, com base no Snis de 2009, o índice médio em coleta de esgoto nas 81 cidades pesquisadas, que foi de 57% da população. Belém tem apenas 6% da coleta, segundo informou. Enquanto Ananindeua tem 'índice de coleta de esgoto igual a zero', ao lado das cidades fluminenses de Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João do Meriti.

No que se refere ao tratamento de esgoto, o índice selecionado pelo instituto apresenta que o volume médio em função da água consumida nas cidades classificadas foi, em média, 39%. Dos 81 municípios, 44 informaram ter o índice de tratamento abaixo da média, entre elas Belém, incluindo ainda as capitais Rio Branco (AC), Macapá (AP), Teresina (PI), São Luís (MA), entre outras. 'Informaram ter índice de tratamento igual a zero, em 2009, sete cidades: Ananindeua, Bauru, Duque de Caxias, Guarulhos, Montes Claros, São João do Meriti e Porto Velho', apontou o estudo.

As cidades da região Norte do País são as que mais demoraram em reverter esse atraso no saneamento, conforme avaliou o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. 'O saneamento básico não foi prioridade política no Brasil por mais de 20 anos. Então, todas as cidades brasileiras têm problemas em maior ou menor grau. É necessário melhorar rapidamente a capacidade financeira das empresas de saneamento da região para que possam receber recursos em longo prazo e fazer frente aos desafios nessas áreas', disse.

Carlos atribuiu o baixo investimento em saneamento nos últimos anos em comparação à necessidade das duas cidades melhorarem rapidamente os serviços de atendimento em água e de coleta e tratamento de esgoto. 'À população cabe cobrar as autoridades locais. A melhoria nesses serviços rapidamente se reverte em melhoria na saúde da população, principalmente na redução dos casos de diarreia, cólera, hepatite A, verminoses, esquistossomose, etc. A região Norte ainda é vítima frequente das doenças de transmissão por água contaminada', constatou o presidente executivo. A pesquisa completa está disponível no endereço eletrônico www.tratabrasil.org.br.

População vive em precárias palafitas

Pontes improvisadas, casas levantadas e uma tubulação que divide a água para diversas famílias. Esse é uma tradução real dos números catalogados pelo Instituto Trata Brasil e que pode ser encontrada na Cidade Nova V, em Ananindeua. Ao final das travessas WE-31 e WE-32, vivem famílias que carecem de saneamento. A Secretaria de Saneamento e Infraestrutura de Ananindeua informou, por meio da assessoria de imprensa, que o município vem ampliando 'muito a oferta de serviços de infraestrutura básica'. A nota afirmou ainda que, 'em 2004, existia apenas dois quilômetros de rede de esgoto. Atualmente, mais de 85 quilômetros de rede de esgotamento sanitário estão em fase de implantação e a previsão é de que, até o final de 2012, um total de 120 quilômetros sejam instalados'.

'A situação aqui é caótica', afirmou a desempregada Jacira de Castro, que mora na área há quatro anos, sobre o abandono do poder público municipal. De acordo com ela, o despejo dos esgotos da Cidade Nova é feito na área onde mora. 'O pior momento é nas refeições, que vem aquele cheiro que incomoda muito. A gente fica só na promessa. Saneamento é um problema aqui', contou.

A doméstica Kátia Pereira reside há 20 anos na área. Ela relatou que já levantou a casa duas vezes por conta das constantes chuvas, que provocaram alagamentos. A dona de casa também reclamou do odor que vem dos esgotos liberados sem coleta e tratamento adequados. 'Minha filha tem oito anos já teve duas vezes dor de estômago. Tem vezes que a água não dá para cozinhar e a gente tem que comprar água mineral. Disseram que iam tirar a gente daqui e até agora nada', afirmou.

Em relação aos moradores das WEs 31 e 32, na Cidade Nova V, a secretaria de Ananindeua esclareceu que eles serão remanejados para o Habitacional do Maguariaçú, que está sendo construído, informou a nota.

Pesquisa: 36% de água são desperdiçados

Em Belém, não só a periferia, mas o centro sofre com as constantes falta d’água. A manicure Joelsa Santos é moradora do Marco há mais de 10 anos e disse que a interrupção no fornecimento é frequente, principalmente, aos domingos. 'Só essa última semana faltou água na segunda e na quarta-feira', completou. Para driblar as interrupções, ela deixa cheio de água um recipiente. 'Toda vez que falta, quando volta, ela vem escura e só de noite que ela fica clara', afirmou.

'A gente até coloca um pano no chuveiro e a água vem suja', disse outra moradora do Marco, sem se identificar. Os dados coletado pelo Snis de 2009, utilizado na pesquisa do Trata Brasil, foram coletados junto a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa).

Com base nos dados do Trata Brasil, em média, 36% de toda a água produzida pelas 81 cidades pesquisadas foi perdida em vazamentos, falta de medição ou ligações clandestinas.

Professor Milton Matta disse que a água, depois de passar pela estação de tratamento do Utinga, é colocada nessa rede deteriorada, cuja 'mais da metade se perde em vazamentos. O que continua na rede é contaminado nas fases de diminuição de pressão. Isso faz com que a água chegue às residências contaminada para o consumo humano. A duplicação da captação de água do rio Guamá e da capacidade da estação de tratamento foi um verdadeiro equívoco, porque passou a colocar muito mais água na rede deteriorada, duplicando as perdas e aumentando os processos de contaminação de nossas águas e o volume de esgoto da cidade', avaliou o doutor em Hidrogeologia.

Com o tratamento, o benefício para população seria imenso: saúde, diminuição dos índices de doenças de veiculação hídrica e melhor qualidade de vida pra todos', esclareceu o coordenador da Especialização em Gestão Hídrica e Ambiental.

Doenças parasitárias seriam evitadas

Doutor em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia, Marco Valério Vinagre explicou que a importância do tratamento do esgoto. 'Sob o aspecto sanitário, o destino adequado desses esgotos visa, fundamentalmente, ao controle e prevenção de doenças com os seguintes objetivos: evitar a poluição do solo e dos mananciais de abastecimento de água; evitar o contato de vetores com as fezes; propiciar a promoção de novos hábitos higiênicos na população; e promover o conforto e atender ao senso estético. A importância econômica do tratamento de esgotos sanitários objetiva em prevenir a ocorrência de doenças, principalmente as doenças infecciosas e parasitárias ocasionadas pela falta de condições adequadas de destino dos dejetos', explicou.

O engenheiro enumera os benefícios desse tratamento. 'Aumento da vida média do homem, pela redução da mortalidade em consequência da redução dos casos de doenças; diminuição das despesas com o tratamento de doenças evitáveis; redução do custo do tratamento da água de abastecimento, pela prevenção da poluição dos mananciais; controle da poluição das praias e dos locais de recreação com o objetivo de promover o turismo; e preservação da fauna aquática, especialmente os criadouros de peixes'.

Na avaliação de Vinagre, o tratamento do esgoto é um dos melhores investimentos se comparado aos benefícios que trazem à saúde, à qualidade de vida e à dignidade humana. 'O custo é muito vantajoso, pois evita os gastos com a saúde curativa, inclusive com internações hospitalares com doenças decorrentes da falta de saneamento, tais como ancilostomíase, ascaridíase, amebíase, cólera, diarréia infecciosa, disenteria bacilar, esquistossomose, estrongiloidíase, febre tifóide, febre paratifóide, salmonelose, teníase e cisticercose', explicou.

O professor da Universidade da Amazônia (Unama) acredita na necessidade das prefeituras da Grande Belém se articularem, por meio de um planejamento integrado, que priorizem os investimentos em projetos e obras de saneamento. 'Não só pelo aspecto legal, mas problemas concretos de caráter local, como a existência de duas operadoras de água e esgoto em Belém (Cosanpa e Saaeb) e a baixa cobertura de saneamento conforme verifica-se sistematicamente em pesquisas', conclui Marco Valério, que já esteve a frente da presidência da Cosanpa.

Deficiente em tratamento, Capital despeja 94% do esgoto nos rios

O vice-diretor da Faculdade de Geologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Milton Matta, sugeriu o investimento na troca gradativa da rede de abastecimento 'que está sucateada', além de substituir a utilização da água superficial pela subterrânea, 'através de projetos localizados, por bairros, com pequenas e novas redes de distribuição. Isso tornaria mais eficiente o abastecimento de água e muito mais barato.

Ao lado disso teríamos que construir conjuntos de estações de tratamento de esgoto e investir nisso com prioridade. O esgoto tratado melhoraria a qualidade das águas, pois reduziria suas contaminações e reverteria em melhoria da qualidade de vida da população e de sua saúde', avaliou.

O geólogo lembrou que o tratamento do esgoto não é um processo caro. 'É muito parecido com o tratamento que as águas são submetidas nas estações, do tipo que existe hoje em Belém, no complexo do Utinga', afirmou. Matta ressaltou que o rio Guamá e a Baía do Guajará servem de coletores desse esgoto, que causa a poluição das águas superficiais e subterrâneas, já que existe uma forte ligação entre as duas. 'Belém tem somente 6% de tratamento de esgoto. Isso quer dizer que 94% de todo o esgoto produzido pela cidade são lançados nos nossos rios. Os prejuízos são imensos.



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